terça-feira, 27 de outubro de 2009






















A GUITARRA E SEUS HERÓIS


“Herói da guitarra” é muito mais que um vídeo-game: é uma espécie de atitude ou um dos agentes da mitologia roqueira. Todo estilo musical tem seu instrumento-símbolo: o sax remete ao jazz; com o samba, pandeiro e cavaquinho; o rock, herdeiro direto do blues, ficou com a guitarra (elétrica). Criada em meados dos anos 30 do século passado para ser um violão amplificado, a guitarra a princípio ficou amarrada aos conceitos de bom-gosto e nível de volume das big-bands, enquanto no blues, ela se prestava mais à expressão individual do músico.
Reza a lenda que o blueseiro inglês Eric Clapton foi pego de surpresa pelas inscrições no metrô de Londres que gritavam: Eric is God (Eric é Deus), muito pelas suas incendiárias performances num pub da capital britânica, interpretando e improvisando o melhor do blues. Pode ter sido o chute inicial desse culto ao instrumentista, levando a audiência a delírios coletivos e a demandar cada vez mais dramáticas sessões.

Restava dilacerar o que ficou nos parâmetros do que seria a guitarra: um certo James Marshall Hendrix, de Seattle (EUA), depois de ralar numa tropa de elite do exército do seu país, a 101 de paraquedistas, foi dispensado por efeito de ferimentos e caiu na cena rythm& blues. Sem chances de ter sucesso em casa, foi levado para a Europa,nos anos sessenta, por um empresário e literalmente arrebentou: Jimi tocava com os dentes, usava e abusava do então abominado feedback (microfonia) para acrescentar nuances e cores musicais;e não se contentava até tocar fogo no instrumento. Hendrix por sua trajetória ficou conhecido como uma espécie de herói trágico, e também um dos re-inventores da guitarra elétrica.

O número de guitarristas idolatrados por seu virtuosismo ostensivo duplicou com o exemplo hendrixiano, ocasionando uma separação palco/público, num plano inconsciente de hierarquia, algo contraditório para um gênero que se arrogava marchar pra o igualitário. Aparentemente as pessoas expunham um arrependimento pela individualidade do homem ou mulher ocidental conquistada a duras penas com unhas e dentes, entendendo a diversão como imperativa a sua participação em um grupo social, de uma “tribo” e ter um “líder”, ao qual se presta um tributo à sua genialidade, carisma, ou até coragem.

Já o punk torceu o nariz e seguiu nos seus três acordes e nenhum buraco para solos, quando muito, minimalistas. Era o rock se refazendo, indo além da ilusão Woodstock, que no fundo serviu para indicar ao sistema capitalista como se ganha dinheiro expropriando os sonhos alheios. São só anticorpos,baby. Muitos outros instrumentistas,de toda a parte do planeta, participaram ou participam dessa maratona do guitar hero,que extrapola as fronteiras do musical e entra em outras categorias. O interessante é notar como a Arte tem seus conceitos em mutação através da História.


“Eu vejo vocês todos
Eu vejo o amor que está dormindo
enquanto minha guitarra
gentilmente chora.”

while my guitar gently weeps
(george harrison)