quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PALPITE FELIZ (última parte)


Já foi o tempo em que o embate de idéias poderia ser até uma coisa
perigosa. Falamos sobre a saudável tradição dos compositores de nossa música popular em estabelecer litígios via texto, ou letras. Do Noel da Vila, admoestando a apologia da malandragem da época, cantada por Wilson Batista (Lenço no pescoço) replicada em “Rapaz folgado” até o Raulzito malucobeleza em “Eu também vou reclamar” (ligo o rádio e ouço um chato/ que me grita nos ouvidos/ pare o mundo que eu quero descer) comparecendo na porção roqueira e antenada. Ora, as canções eram um dos raros canais de comunicação entre as pessoas, que numa Era de Chumbo, tinham sua liberdade de expressão completamente tolhida. Com a abertura política, conseqüência de cerrada pressão popular e de uma forma estratégica maquinada pelos ditadores de plantão que teriam de apagar as luzes, veio o fim da execrável instituição chamada Censura e, de certa maneira, a criação artística em nosso país pode respirar mais aliviada. Falava-se de tudo e de todos, e com o advento do fenômeno BRock encontrou-se o caminho ideal para essa veiculação. Não mais linguagens cifradas, metáforas que circundavam quarteirões, tão caras à estética emepebista, mas sim o realismo roquenrou. A produção musical da década de oitenta foi pautada principalmente por um quase simulacro de revolução musical que prometia não deixar pedra sobre pedra. Trocaram-se os debates interpessoais entre os autores por denúncias e críticas sociais, inspiradas pelo movimento punk, além é claro de observações mais amenas ou jocosas. Afinal, foram mais de vinte anos de mordaça e covardia.


Entretanto, a lógica mercantilista da Indústria Musical induzia o rodízio de estilos musicais, principalmente aqueles que seriam mais fáceis de controlar. E o tão propalado “senso crítico” do ouvinte havia recrudescido dramaticamente, ao não alcançar que as liberdades democráticas sugerem responsabilidade e atuação. Foi-se fechando o cerco com aquilo que deveria ser veiculado e o que ficaria do lado de fora, não por pretextos políticos como no regime ditatorial das baionetas, porém por razões do capital. Sorrateiramente, a Ditadura da Grande Mídia veio a despejar produções de qualidade equivocada, e cada vez mais fragmentando o mercado para cada estilo, para serem etiquetados e encaixados nas prateleiras das lojas de discos. O grande público não precisava mais,nos anos noventa, de heróis com violão nos festivais a fazer denúncias, com risco real. A progressiva despolitização da sociedade brasileira criou públicos que se tornaram refratários à reflexão crítica, em avaliar tanto a forma quanto a mensagem das obras musicais, enlatados com rótulos esquizóides como techno-forró, sertanejo universitário, boy-bands e outros bichos sem cabeça. E alimentados, é claro, pelos artistas que juram ser necessário para eles, trucidar um leão por dia.

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